Pesquisa etnográfica: por que é fundamental para as empresas?

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Conceitos
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O estudo do comportamento humano é algo intrigante, fascinante e profundo. Não é por acaso que tantas áreas do conhecimento se dedicam a analisar como diferentes grupos se organizam, pensam e tomam decisões. Nas empresas, entender o comportamento dos clientes é sinônimo de vantagem competitiva. Mas não só isso. Entender em profundidade como os clientes pensam, reagem e são afetados por determinados problemas, pode promover a inovação de serviços, melhorias no atendimento e mudanças reais nos negócios. Nesse sentido, é possível aplicar uma série de metodologias e abordagens, como a pesquisa etnográfica, que permite entender em profundidade o comportamento dos clientes. 

Entenda no artigo a seguir, como funcionam os estudos etnográficos e como as empresas podem se beneficiar com a sua aplicação!

O que é pesquisa etnográfica? 

A pesquisa etnográfica é um tipo de pesquisa qualitativa que visa analisar as diferentes culturas e comportamentos humanos, a partir da coleta de dados qualitativos, isto é, opiniões, comentários, respostas abertas, observações, feedbacks e outras informações dos clientes. Trata-se de estudos holísticos que buscam capturar o máximo de detalhes das comunidades e grupos observados, a partir de diferentes técnicas, tais como:

  • Entrevista em Profundidade: conversas individuais, em que são explorados diferentes aspectos sobre um tema e a pessoa participante. Essas conversas podem ou não seguir um roteiro, mas, em geral, cada pergunta se desdobra em uma série de novos questionamentos para entender a fundo o que a pessoa quis dizer com determinada resposta. Nas entrevistas, são observados detalhes da forma como a pessoa pensa, fala e se expressa, quais sentimentos são evocados ao lembrar de uma situação e como se comporta durante a entrevista. Tudo isso, baseado na escuta ativa e externa. 
  • Observação Participante: técnica clássica da etnografia, a observação participante envolve a realização das atividades cotidianas junto ao grupo estudado. Em uma empresa, por exemplo, o pesquisador pode acompanhar reuniões semanais, sprints internas e até reuniões com clientes. Diferente do cliente oculto, na observação participante o grupo analisado está ciente da presença do pesquisador.
  • Análise de Artefatos: análise de materiais, documentos, manuais, vídeos, ferramentas, fotografias e quaisquer outros elementos que forneçam informações sobre as atividades, práticas e cultura do grupo.
  • Registro de Notas de Campo e Diários: durante a avaliação de materiais e aplicação das diferentes técnicas etnográficas, o pesquisador deve realizar registros sobre as suas observações, comentários, reflexões e outros pontos que, posteriormente, vão auxiliar na análise geral sobre o grupo analisado.
  • Fotografia e Vídeo: os registros fotográficos e de vídeo são muito importantes para análise detalhada e crítica de cenários, entrevistas e atividades. A observação posterior das imagens pode revelar aspectos que passaram despercebidos pelos pesquisadores, além de compor arquivos de médio e longo prazo para comparação e análise. Também é importante lembrar que as pesquisas etnográficas tradicionais são realizadas ao longo de vários anos e por longos períodos, constituindo um acervo e material de referência.
  • Netnografia: estudo de comportamentos e comunidades em ambientes online, a partir de diferentes ferramentas e redes sociais. Aqui o pesquisador pode mapear comentários, respostas em fóruns, tempo de permanência em um site, áreas em que há maior uso das ferramentas com mapas de calor, bem como eventuais problemas. São inúmeras possibilidades.

    Importante: a realização de pesquisas online não afeta os princípios das pesquisas etnográficas, de análise de campo e contato real com o grupo analisado, uma vez que nessas pesquisas são observados os comportamentos digitais em diferentes plataformas.  

Como surgiu a etnografia?

A etnografia surgiu entre o final do século XIX e começo do século XX, a partir da Antropologia nos Estados Unidos. Inicialmente, os estudos eram focados em comunidades isoladas, consideradas exóticas ou selvagens, e as informações eram obtidas à distância. Os pesquisadores analisavam objetos coletados por missionários ou viajantes, e ainda enviavam questionários para as comunidades. Com isso, eram geradas ideias preconceituosas e estereótipos, sem uma análise real dos grupos e comportamentos. 

No começo do século XX, com a Revolução Industrial e várias transformações no mundo, a visão sobre os estudos antropológicos e culturais também passou por mudanças significativas. Os pesquisadores que antes só recebiam materiais de terceiros e realizavam análises teóricas, passaram a realizar estudos de campo, priorizando a análise e observação pessoal dos territórios. 

Um dos primeiros marcos da área é de 1922 (ou seja, pouco mais de 100 anos!), com a publicação do livro “Os argonautas do Pacífico”, do antropólogo Bronislaw Malinowski (1844-1942), que conduziu um estudo nas Ilhas Trobriand. O autor defendia que uma cultura deveria ser analisada a partir da experiência e contato real nas comunidades, bem como a observação por longos períodos.

Hoje as técnicas e princípios das pesquisas etnográficas são aplicadas não apenas nas ciências sociais, na análise de povos e comunidades isoladas, como também no meio empresarial e em diferentes segmentos. 

Vantagens das pesquisas etnográficas para as empresas.

Junto às demais pesquisas qualitativas de mercado, a pesquisa etnográfica é uma abordagem valiosa para os negócios, sendo realizada a partir da total imersão do pesquisador no ambiente, onde ele atua como um observador e ouvinte ativo.

Entre as inúmeras vantagens da realização de estudos etnográficos, destacamos os seguintes pontos:

  • compreensão do comportamento do cliente: para entender o que passa na cabeça dos clientes, bem como as motivações, medos e necessidades, é preciso investigar a fundo! Apenas um questionário ou formulário padrão, não é capaz de extrair as diferentes camadas e intenções sobre o comportamento das personas; por isso, os diferentes estudos etnográficos são uma poderosa ferramenta para análise profunda de tendências e mudanças do mercado.
  • melhoria nos serviços: a partir das informações mapeadas nos estudos, as empresas podem identificar gaps nos serviços e produtos, na experiência do cliente e problemas na jornada. A partir da escuta ativa, é possível entender os pontos fortes e fracos das soluções desenvolvidas.
  • tomada de decisões estratégicas: com o resultado dos estudos, é possível tomar decisões mais estratégicas sobre mudanças necessárias, oportunidades e investimentos. Mais do que um simples questionário, os líderes e gestores passam a ter informações aprofundadas, baseadas em dados de fonte primária, para direcionar melhor os negócios rumo aos seus objetivos e metas.
  • potencializar a inovação: tudo isso, é claro, permite descobrir novas oportunidades para o desenvolvimento de soluções, ferramentas e recursos, que vão apoiar as personas e grupos pesquisados.

É fundamental ressaltar que o profissional que realiza esse tipo de estudo possui diversas habilidades interpessoais, como alteridade (reconhecimento das diferenças) e escuta ativa, além de dominar diferentes técnicas etnográficas. Com um olhar, o pesquisador pode oferecer às empresas novas percepções sobre as motivações, sentimentos e necessidades dos grupos analisados. Geralmente atuando em consultorias ou empresas especializadas, esse profissional sistematiza as informações e entrega resultados robustos, com dados e materiais que podem ser utilizados posteriormente em treinamentos e como referência estratégica.

Leia também Mapeamento de processos: a importância de uma consultoria externa

Exemplo de pesquisa etnográfica

As técnicas de pesquisa etnográfica podem ser aplicadas em diferentes tipos de projeto, desde estudos sobre a qualidade dos produtos e serviços, até a redefinição de personas, segmento de atuação, campanhas de marketing, rebranding, entre outros. A partir da análise aprofundada do comportamento dos clientes, é possível estruturar as informações em formatos específicos, como uma jornada de compras, o Blueprint de Serviço, o desenho de personas, entre outros.

Recentemente, a HOMA realizou um projeto completo com a institutição financeira Sicoob, maior instituição financeira de cooperativismo do Brasil, para melhorar a experiência dos cooperados e impulsionar a inovação dos serviços. No projeto, foram aplicadas várias técnicas etnográficas, com a imersão nos locais de atendimento, acompanhamento de processos, observações das equipes e clientes. Ao todo, foram realizadas 27 entrevistas em profundidade, 78 entrevistas contextuais em 10 cidades catarinenses e gaúchas com unidades da instituição. Leia o case completo da Sicoob e saiba mais sobre as etapas, entregas e resultados do projeto.

Quer saber mais sobre pesquisas de mercado, estudos etnográficos e análises estratégicas para as empresas? Então, acompanhe as nossas publicações e fique por dentro! Leia também o nosso material especial sobre Design de Serviço, metodologia holística que utiliza vários dos princípios e ferramentas da etnografia para repensar a qualidade dos serviços nas empresas.

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Bruna Plentz

Mestre em Antropologia na Universidade NOVA de Lisboa com especialização em Temas Contemporâneos. Especialista em Service Design pelo Istituto Europeo di Design de Barcelona. Designer graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina e Università degli Studi di Firenze.

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